Vale: quando mais pode ser menos
Pedro Jacobi
A guerra do minério de ferro teve uma sequela cruel: acelerar a queda dos preços do minério de ferro.
Nenhum dos protagonistas, Vale, BHP ou Rio, conseguiram prever que os preços iriam cair aos níveis de hoje. Foi uma reação em cadeia que ameaça intensificar, mais ainda, um cenário altamente destrutivo que afeta a todos os mineradores de minério de ferro do mundo.
Muito já se falou sobre a quebradeira geral e suas consequências. Poucos conseguiram ver que em uma guerra todos perdem. Nem as mineradoras do triunvirato, que pareciam singrar incólumes em um mar devastado, conseguirão sair desta sem prejuízos bastante significativos.
Todas elas apostam no aumento de produção e aceleraram o desenvolvimento de seus grandes projetos para continuar a suprir os chineses com um produto de boa qualidade e preço baixo.
Eles usaram a estratégia da bomba de nêutrons: matar os combatentes e se apoderar dos ativos destes, que no caso do minério de ferro é o mercado.
O que poucos previam é que a China iria desacelerar, que as siderúrgicas iriam comprar menos e que, mesmo no prejuízo, muitos mineradores continuariam vendendo seu minério de ferro. Esta conjunção de fatores deprimiu o preço muito além do imaginado. Basta ver as declarações recentes dos CEOs das três grandes e veremos que nenhum deles jamais acreditou em um preço abaixo de US$80/t…
Agora resta ao mercado deglutir mais de 100 milhões de toneladas de minério de ferro adicionais que continuam sendo produzidas a “todo o vapor” pelas três gigantes.
Como não impactar os preços?
Hoje o preço do 62%Fe está abaixo de US$70 e pode cair muito mais atingindo patamares nunca sonhados, que irão pulverizar os lucros das três grandes, impactando a capacidade destas empresas de investir como estavam prometendo fazer. Até mesmo o recente esforço do Governo Chinês em cortar os impostos, pela primeira vez em dois anos, não foi o suficiente para reverter a queda.
As rachaduras nos cascos, antes reluzentes, das megamineradoras, começam a aparecer. E, junto com os problemas várias soluções “criativas” são desenhadas em cenários completamente novos: empresas de alta liquidez como a Glencore se aventuram e querem engolir “elefantes” como a Rio Tinto. A BHP se divide em duas e planeja vender vários ativos antes considerados importantes. Empresas outrora poderosas, como a Vale, perdem uma parte substancial do seu valor atraindo compradores agressivos e passam de caçador à caça.
É um novo mundo onde as soluções ainda estão sendo escritas.
Neste cenário a nossa Vale ainda prioriza a estratégia de aumentar a produção ao invés de aumentar e otimizar os lucros.
Historicamente essa estratégia, assim como a guerra de preços, sempre se mostrou defeituosa e prejudicial no médio prazo. Os “cases” destas guerras são ensinados nas salas de aulas, mas parece que o pessoal faltou a elas…
A Vale parece não querer mudar os rumos traçados, muito tempo atrás, quando o minério de ferro valia mais do que US$100/t, a economia chinesa estava aquecida e a empresa era a segunda maior mineradora do mundo.
Bons tempos.
Hoje ela vale apenas US$46,7 bilhões de dólares e, mesmo assim, ainda planeja investir quase 50% do seu valor em um único projeto, quando o seu endividamento deve atingir duas vezes o Ebitda.
É uma jogada arriscada que, se falhar, pode acabar com as fichas, já poucas, da mineradora.
No momento em que o preço do minério bate recorde negativo a mineradora aposta grande parte dos seus recursos no projeto S11D, que irá produzir 90 milhões de toneladas de minério adicionais e que consumirá US$20 bilhões em CAPEX.
Um dinheiro cada vez mais escasso, neste momento de crise, que o CEO da Vale nega existir.
É agora que o maior projeto da Vale, o S11D está sendo jogado. Benção ou maldição?
É inegável a qualidade do minério do S11D, mas será inteligente investir US$20 bilhões neste momento difícil em que a empresa atravessa, para coloca-lo em produção?
Não seria a hora de aumentar a lucratividade, reduzir os débitos, enxugar os custos, verticalizar parte da produção aumentando o valor agregado dos produtos, consolidar a sua liquidez e esperar uma hora melhor para gastar esses US$20 bilhões?
A Vale é a maior produtora de minério de ferro do mundo e isso não vai mudar no curtíssimo prazo, com ou sem o S11D. Qual será a vantagem em continuar a ser a maior vendedora de minério de ferro do mundo quando as suas margens começam a evaporar? Não será um desperdício do melhor minério que a Vale ainda tem?
O mercado é mais complexo do que imaginamos e a resiliência das mineradoras é maior do que muitos pensavam. Existem hoje inúmeros projetos de qualidade de minério de ferro que devem, também, entrar em produção competindo com os da Vale e das demais mineradoras australianas. Esse minério novo, com certeza vai afetar o mercado e preencher parte do vazio causado pela quebra das minas. Será que isso está adequadamente equacionado? Ou teremos grandes surpresas em dois anos?
Parece que o péssimo timing da Vale vai fazer azedar até o S11D, a cereja do bolo da mineradora.
Não foi por falta de tempo. Ela teve todo o tempo do mundo, e o dinheiro também, para colocar o S11D em produção, em uma época que os preços do minério de ferro subiam aceleradamente. Na época em que ela comprava por US$13,3 bilhões a INCO o minério de ferro iniciava um salto de quatro anos onde o preço subiria de US$36/t para US$187/t: um aumento de 419%.
Desde então a Vale perdeu, também aceleradamente, o seu valor de mercado, um prejuízo de R$160 bilhões em quatro anos.
A mineradora perdeu o bonde e agora tenta colocar o seu projeto mais ambicioso em produção como se fosse uma tábua de salvação.
Isso ocorre no pior momento possível, quando o preço do minério de ferro despenca, a China desacelera, os lucros diminuem, os débitos e a concorrência aumentam e quando o novo Código de Mineração ameaça mais que duplicar a arrecadação de impostos sobre a sua produção reduzindo mais ainda as margens.
Será que é a hora certa ou veremos a Vale literalmente “queimar” o estoque precioso do S11D como em uma liquidação de Black Friday???
Fonte: Geologos